No Evangelho do quinto domingo da Páscoa (28) estamos em Jerusalém, numa noite de quinta-feira, um dia antes da celebração da Páscoa judaica, por volta do ano 30. Jesus está reunido com os seus discípulos à volta de uma mesa. Consciente de que os poderes constituídos da época, civis e religiosos, tinham decidido condená-Lo a morte e que a cruz estava no seu horizonte próximo, Jesus organizou uma ceia especial de despedida. Queria preparar os seus discípulos para os sofríveis acontecimentos que se aproximavam. Não queria que a sua morte lançasse os discípulos em um novo mundo sem esperança. Queria demonstrar a eles que o horizonte sem Sua presença física estava próximo, mas que Ele permaneceria neles e com eles.

Nessa noite, Jesus conversou longamente com os discípulos e deu-lhes indicações para o caminho, após a sua partida: Lembrou-lhes que deviam ser sempre uma comunidade de serviço, recomendou-lhes que colocassem no centro de tudo o mandamento do amor, deixou-lhes a promessa do Espírito, transmitiu-lhes a sua paz, prometeu-lhes que nunca os abandonaria e que não os deixaria órfãos, pediu-lhes que continuassem unidos a Ele.
No Antigo Testamento a videira e a vinha eram símbolos do Povo de Deus. Israel era apresentado como uma videira que Deus arrancou do Egito, que transplantou para a Terra Prometida e da qual cuidou sempre com amor. Era também apresentado como a vinha, que Deus plantou com cepas escolhidas, que Ele cuidou e da qual esperava frutos abundantes, mas que não produziu os frutos esperados por Ele. A antiga videira ou vinha de Deus revelou-se como uma verdadeira desilusão. Israel nunca produziu os frutos que Deus esperava. Deixou se levar pelos prazeres imediatos, pelo poder, pelo egoísmo, pela ganancia, pelo desapego ao cuidado com o outro.
Agora, Jesus apresenta-Se como a “verdadeira videira”. A Ele, a verdadeira videira, estão ligados os ramos. Os ramos são, nesta colocação de Jesus, os seus discípulos. Esta verdadeira videira e estes ramos são, portanto, o novo Povo de Deus. Da ação criadora e vivificadora de Jesus irá nascer o novo Povo de Deus, a comunidade do Reino. Hoje, como ontem, Deus continua a ser o agricultor que cuida da sua vinha.
Da verdadeira videira e dos seus ramos vão nascer bons frutos, os frutos que Deus espera ver na sua “vinha”. Esses bons frutos são os mesmos que o próprio Jesus produziu quando andava pelos caminhos da Galileia e da Judeia a anunciar o Reino de Deus, a curar os doentes, a libertar os que viviam prisioneiros, a dar Vida a todos aqueles que estavam privados dela. No entanto, a videira que, apesar de todo o cuidado do agricultor, não produzir bons frutos não pode pertencer aquela vinha, o seu lugar não é ali. No entanto Deus, o agricultor, cuidará de todas as videiras, em todas as vinhas, sem distinção, sem preconceito. Ele não quer perder nenhuma videira, nenhum ramo, nenhum de nós. Por isso, para que se produza bons frutos é preciso um processo de limpeza, de conversão contínuo, que nunca termina. Nesse processo acontecerá a libertação do egoísmo, da falta de amor, da inveja, do ódio.
Como sabemos, os ramos não sobrevivem se estiverem desligados da videira. Eles não têm vida própria e não podem produzir frutos por si próprios; necessitam da seiva que lhes é comunicada pela “videira”. Por isso, os discípulos têm de “permanecer” em Jesus. O verbo “permanecer é uma das palavras-chave do evangelho de hoje, aparece oito vezes. Ele expressa a confirmação ou renovação de uma atitude já anteriormente assumida. Supõe que o discípulo, seguidor fiel de Jesus e da palavra de Deus, dá agora a esta atitude e compromisso o status de solidez, de estabilidade, de constância, de continuidade. É um convite a que o discípulo mantenha a sua fidelidade a Jesus, a sua identificação com Ele, a sua comunhão com Ele. Se o discípulo se mantiver em Jesus, Este, por sua vez, permanece nele, isto é, continuará fielmente a oferecer ao discípulo a sua Vida/Espírito.
O discípulo de ontem e o discípulo de hoje permanece em Jesus se continua a escutar as suas palavras, a acolhê-las no coração, a conduzir a sua vida por elas; o discípulo permanece em Jesus quando não O perde de vista e caminha atrás d’Ele, numa fidelidade todos os dias renovada. Há uma passagem no Evangelho de São João que pode iluminar o sentido do permanecer unido a Jesus: “Quem realmente come a minha carne e bebe o meu sangue permanece em Mim e Eu nele” (Jo 6,56). A carne de Jesus é a sua vida, o sangue de Jesus é a sua entrega por amor até à morte. Assim, comer a carne e beber o sangue de Jesus é assimilar a Sua existência, feita serviço e entrega por amor, até ao dom total de si mesmo; é acolher a sua proposta de vida e comprometer-se com ela. Na eucaristia comemos a carne e bebemos o sangue de Jesus: é a celebração, sempre renovada, da nossa comunhão e do nosso compromisso com Ele.
É preciso dizer, ainda, que a união com Jesus não é algo automático, que recebemos através do Batismo e que fica para sempre. Pelo Batismo nós passamos a fazer parte da família de Cristo, mas, só o Batismo não basta. A nossa união com Cristo e com seu projeto é algo que depende da decisão livre e consciente de cada um de nós. É um compromisso que livremente assumimos e que tem de ser continuamente renovado e atualizado pela fé.
Texto: Dalva Pereira Silva Soares